A desinformação relativa aos temas relacionados com a nutrição, alimentada principalmente por fontes não científicas, tem proliferado na era digital, influenciando escolhas alimentares e comprometendo a saúde pública. Blogs, redes sociais e “influenciadores” sem formação em nutrição e/ou sem bases científicas, frequentemente disseminam informações simplistas ou enganosas, que contradizem evidências científicas, criando confusão e práticas potencialmente perigosas.

Sobre este tema, aconselhamos a leitura de um relatório muito completo e esclarecedor, intitulado “Nutrition misinformation in the digital age, 2024-2025“.

Origens da Desinformação

A desinformação na nutrição surge de várias fontes, incluindo os mitos populares enraizados na nossa cultura alimentar (Fischer, 1990), o marketing agressivo de empresas com demasiado foco no lucro rápido e também a necessidade de se criar conteúdos virais nas plataformas digitais (Millbank, 2025). Por exemplo, as dietas da moda, como a cetogénica ou o jejum prolongado, apesar de terem algumas bases fundamentadas, são promovidas como soluções universais sem considerar as necessidades de cada indivíduo.

Segundo Popkin et al. (2012), a adoção de dietas restritivas sem supervisão pode levar a deficiências nutricionais, como de vitamina B12 ou ferro. “Influenciadores”, muitas vezes sem credenciais, utilizam testemunhos pessoais ou imagens apelativas para validar afirmações não comprovadas, como a ideia de que suplementos “milagrosos” substituem uma alimentação equilibrada.

O marketing agressivo de suplementos e alimentos “saudáveis” também contribui para a desinformação. Produtos como sumos detox e certos “superalimentos” são apresentados como essenciais, apesar de estudos, como o de Holick (2007), indicarem que uma dieta variada (desde que com alimentos nutricionalmente suficientes) fornece os nutrientes necessários na maioria dos casos para populações sem necessidades especiais.

A disseminação destas alegações pseudocientíficas é potenciada pela falta de regulação em muitas plataformas digitais (Millbank, 2025), sendo difícil, para os seus utilizadores, validar a qualdade da informação apresentada.

Impactos na Saúde e na Sociedade

Toda este enquadramento de desinformação e o volume de informações não fundamentadas ou até mesmo falsas, pode ter consequências graves para a saúde da população. A utilização destas informações e conselhos não fundamentados pode resultar em desequilíbrios nutricionais, transtornos alimentares e até mesmo atrasos no tratamento de certas condições médicas. Por exemplo, a crença de que o glúten é prejudicial para todas as pesoas (quando o é apenas para uma parte da população), pode levar à exclusão desnecessária de nutrientes, conforme mostra o estudo de Gaesser & Angadi (2012). Além disso, a desinformação diminui a confiança nos profissionais de saúde, que baseiam as suas recomendações em evidências científicas.

E a radicalização e polarização nas redes sociais está a amplificar este problema, pois as informações erradas podem ser sistematicamente reproduzidas e portanto reforçadas. Um estudo de Wang et al. (2019) sobre a desinformação na area da saúde revelou que os conteúdos sensacionalistas (como por exemplo “alimentos que curam o cancro”), têm um maior alcance do que as publicações com bass científicas. Este proema afeta especialmente as populações mais vulneráveis, como os idosos ou as pessoas com doenças crónicas, que, combase nestas desinformação, poderão abandonar tratamentos convencionais em prol de soluções não validadas.

Combater a Desinformação

Para reduzir esta desinformação, é essencial promover a literacia nutricional. O ensino de temas relacionados com a nutrição na escola e a realização de campanhas públicas, poderiam ensinar a avaliar fontes, privilegiando apenas os estudos revistos por pares, e as recomendações de organizações como a Direção-Geral da Saúde (DGS).

O relatório da DGS intitulado “Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável – 2021” contem imensa informação sobre os hábitos alimentares dos portugueses.

É também essencial que as plataformas digitais desenvolvam processos para controlar a proliferação de conteúdos sem bases científicas (Millbank, 2025). Por outro lado, nutricionistas e outros especialistas da área, deveriam utilizar as plataformas digitais, com principal ênfase nas redes sociais, para disseminar informações fiáveis de forma acessível.

Necessidade de Atualização Constante dos Profissioais de Saúde

A consulta com profissionais qualificados é crucial para personalizar a alimentação, evitando modismos perigosos. No entanto, estes profissionais têm de estar atualizados com os mais recentes conhecimentos em nutrição,

Sendo a nutrição uma ciência em constante evolução, isso exige que nutricionistas, médicos e outros profissionais de saúde se mantenham constantemente atualizados com as mais recentes descobertas para estar habitilados a oferecer orientações baseadas em evidências.

A formação contínua permitirá aos profissionais adaptar recomendações às necessidades individuais, promovendo saúde e prevenindo doenças crónicas. Ignorar avanços científicos pode perpetuar práticas desatualizadas.

Reduzida Formação em Nutrição nas Faculdades de Medicina

Outro fator que limita a literacia alimentar da população é a reduzida formação em nutrição nas faculdades de medicina, o que compromete a capacitação dos médicos para abordar questões dietéticas. Um estudo de Adams et al. (2010) mostra que os currículos médicos dedicam, em média, menos de 20 horas à nutrição, focando muito mais em farmacologia e diagnóstico.

Esta lacuna dificulta a orientação dos pacientes na prevenção de doenças crónicas, como diabetes ou obesidade, onde a alimentação é crucial (Devries et al., 2019). Assim, integrar mais nutrição nos currículos das faculdades de medicina parece ser um fator importante para melhorar a qualidade da alimentação da população, e, portanto, da saúde pública.

Referências

Adams, K. M., et al. (2010). Nutrition education in U.S. medical schools: Latest update of a national survey. Academic Medicine, 85(9), 1537-1542.

Devries, S., et al. (2019). A deficiency of nutrition education and practice in cardiology. American Journal of Medicine, 132(11), 1298-1305.

Fischler, C. (1990). Food, self and identity. Social Science Information, 29(2), 275-292.

Gaesser, G. A., & Angadi, S. S. (2012). Gluten-free diet: Imprudent dietary advice for the general population? Journal of the Academy of Nutrition and Dietetics, 112(9), 1330-1333.

Holick, M. F. (2007). Vitamin D deficiency. New England Journal of Medicine, 357(3), 266-281.

Kirkpatrick, C. F., et al. (2019). Review of current evidence and clinical recommendations on the effects of low-carbohydrate and very-low-carbohydrate (including ketogenic) diets. Journal of Clinical Lipidology, 13(5), 689-709.

Millbank, A. (2025). How social media spreads diet misinformation. News Medical.

Popkin, B. M., Adair, L. S., & Ng, S. W. (2012). Global nutrition transition and the pandemic of obesity in developing countries. Nutrition Reviews, 70(1), 3-21.

Rooted Research. (2025). Nutrition misinformation in the digital age. Rooted Research Collective.

Wang, Y., McKee, M., Torbica, A., & Stuckler, D. (2019). Systematic literature review on the spread of health-related misinformation on social media. Social Science & Medicine, 240, 112552.

Zmora, N., et al. (2018). Personalized nutrition by prediction of glycemic responses. Cell, 175(6), 1467-1475.